sábado, 27 de julho de 2013

O PROTÓTIPO DE MISSÃO EM JESUS DE NAZARÉ - PR CARLOS QUEIROZ

MISERICÓRDIA E JUSTIÇA 01 - PR CARLOS QUEIROZ

terça-feira, 23 de julho de 2013

Misericórdia e Justiça 02 - Pr Carlos Queiroz

sábado, 6 de julho de 2013

Reflexão!

“A justiça de Deus é bem maior que o conceito de justiça do ser humano. É baseada em valores como mansidão, sensibilidade, misericórdia e amor. Mas isso não quer dizer que a justiça de Deus é menor do que o mínimo exigido pela justiça humana, como o direito à habitação, alimentação, saúde, educação, lazer, liberdade de exercer a vocação humana.”

Pr Carlos Queiroz

CMESP 2012 - Pr Carlos Queiroz

AD Bela Vista - Pr Carlos Queiroz

Missão na Integra - Porta-voz da Voz - Pr Carlos Queiroz



Missão Integral da Igreja - Pr Carlos Queiroz

Espiritualidade e mudança de época - Pr Carlos Queiroz

As práticas de espiritualidade, hoje, podem significar tudo ou qualquer coisa.
Até algum tempo, afirmar-se que determinada pessoa era "espiritual" significava dizer que ela era dedicada ao campo das experiências religiosas, sem preocupação com as coisas materiais. O espiritual era aquele que cuidava das "coisas do espírito". Isso porque mundo espiritual e mundo material foram sempre vistos como antagônicos. Possivelmente, pela influencia da cultura grega, o cristianismo foi se construindo com essa dicotomia entre o material e o espiritual, entre o sagrado e o profano, entre a vida privada e a pública. A espiritualidade se limitava ao espaço religioso, de tal modo que as vivências públicas relacionadas a atividades como economia, política, lazer, saúde, educação etc ficavam delegadas ao mundo profano.
Assim, ser religioso praticante e ser espiritual passaram a significar, quase sempre, a mesma coisa. Com essa concepção, as práticas religiosas tendiam a alienar as pessoas das necessidades relacionadas ao corpo, ao lazer ou às lutas pela defesa e garantia de direitos. Isso não significa dizer, por exemplo, que religião e política estivessem separadas em suas engenhosas formas de atuação. Algumas vezes, aliás, estiveram juntas nos projetos de conquista e dominação de impérios poderosos; outras vezes, surgiam aparentemente distintas, como se separadas fossem: porém, sutilmente unidas, sendo a religião o agente de alienação – o "ópio do povo" –, propiciando a acomodação e a inércia de populações que não reagiam às ditaduras, aos processos de dominação ou de colonização.
Afinal de contas, o que é espiritualidade? De um lado, podemos compreender a espiritualidade como uma interação de Deus com os seres humanos. Porém, podemos percebê-la, também, como desdobramento das inter-relações das pessoas com os "espíritos", ou paradigmas, de cada época. Assim, é comum e correto falar-se, por exemplo, em espírito iluminista, espírito do capitalismo, espírito de religiosidade. Acontece que nossa geração tem passado por processos de transformações profundas. Não estamos, apenas, numa época de mudanças, mas numa mudança de época. Axiomas fundamentais estão interferindo no curso de nossa história. Saímos da perícia racionalista para o mundo da subjetividade, da intuição. Para a sociedade pós-moderna, não existe mais uma verdade absoluta, um ser único – o tempo presente fermenta a proliferação do relativismo e do pluralismo.
As práticas de espiritualidade, hoje, podem significar tudo ou qualquer coisa. Comparando-se essas vivências de espiritualidade com os ensinos e práticas do Jesus histórico, vamos encontrar muitas diferenças, e essa transição de época desafia a espiritualidade, missão e construção teológica dos seguidores de Cristo nessa geração. Não receio em afirmar que a espiritualidade cristã vive uma de suas crises mais profundas. A crise espiritual gera a banalização das virtudes e dos princípios mais importantes da vida. A corrupção, e hipocrisia de nossos lideres políticos; a decadência das relações familiares; a violência e tantas outras características danosas desta época são evidências da decadência dos valores éticos e morais do povo brasileiro.
A espiritualidade tem sido praticada, também, como ferramenta para a prosperidade material e satisfação de desejos. Sendo assim, a espiritualidade não é uma abordagem, apenas, de interesse de pessoas religiosas – ela passou a ser também objeto de entretenimento, seja em cultos e celebrações, seja em espaços de lazer e esportes, seja no mundo corporativo. Cria-se, assim, uma enorme panaceia espiritual: a noção do sagrado e da devoção se diluem nas mais variadas experiências místicas e em atitudes exteriores que passam longe da genuína devoção, da piedade e da fé viva.
Mesmo assim, ainda acredito numa espiritualidade que nos torne mais humanos, mais próximos de Deus, das pessoas e de todo o meio ambiente de que somos parte. Que possa gerar mais vida do que lucro material; mais virtudes do que sucesso; mais amor às pessoas do que apego às coisas; mais solidariedade do que competição; mais integridade do que religiosidade; mais renúncia do que egoísmo. Continuo sonhando e agindo na busca de uma espiritualidade mais comprometida com Deus e a vida abundante para todas as pessoas. Uma espiritualidade que combata toda forma de injustiça e opressão.
Ainda há tempo! E que Deus nos ajude no caminho da vida, construindo justiça, liberdade, democracia plena e garantia de direitos para todos.

FTL Brasil - Pr Carlos Queiroz

FJMI - Pr Carlos Queiroz

Não cair em tentação - Pr Carlos Queiroz

O mal é uma semente germinada na interioridade humana.
A ORAÇÃO ENSINADA POR JESUS CRISTO a seus seguidores, que começamos a analisar em nossa última publicação neste espaço [edição nº 31, out/nov de 2012], o Pai, o pão e os pecados são nossos; porém, as probabilidades de não cairmos em tentações são, também, uma responsabilidade coletiva. Todos nós vivemos num emaranhado de sistemas e convivências; somos responsáveis em construir uma ambiência favorável, ou não, às tentações e aos males que nos rodeiam. Nossas organizações sociais, politicas e econômicas impedem ou favorecem as tentações. Veja-se a triste realidade da corrupção na política nacional – tal prática só é possível porque é sistêmica, envolvendo desde as mais altas autoridades até o simples funcionário de gabinete, que atende os pedidos por telefone ou faz os depósitos dos mensalões da vida no banco. De maneira que, se alguém é tentado, o é também por uma conjuntura da qual toda a comunidade foi construindo ou aceitando no seu ambiente cultural.
Sem dúvida, o mal é uma semente germinada na interioridade humana. Quando encontra terreno fértil no espaço externo, tem tudo para proliferar o dano. Portanto, não basta lutarmos, em nosso espírito e em nosso íntimo, contra o pecado e nossas tendências a praticar o mal; precisamos, de maneira sábia e diligente, ir transformando os esquemas e a conjuntura do mal que foram se consolidando no processo histórico de nossas configurações culturais, politicas, econômicas e sociais. A Bíblia, por exemplo, afirma que a exaltação precede a queda. Mas, por mais que a exaltação, como os demais pecados, tenha origem nos desejos interiores, todos esses impulsos são catalisados por condições externas, e, portanto, organizadas coletivamente. Quando construímos, em nossos templos, estruturas arquitetônicas que separam o povo dos líderes ou usamos estéticas pessoais comunicando poder e arrogância, predispomos as pessoas à queda sem, muitas vezes, perceber que fomentamos o mal da politicagem religiosa, a discriminação das pessoas, a exaltação e a altivez. Da mesma forma, quando elaboramos ou somos simpáticos a ensinos e teologias que favorecem a banalização do sagrado, oferecemos aos charlatães a chance de negociar a fé com os cliente da religião.

É assim que a tentação interior vai encontrando, nas estruturas e elaborações externas, espaço para proliferação. Quantos líderes religiosos estão emocionalmente enfermos? Muitos deles, por certo, já traziam suas doenças psicoemocionais e encontraram na religião o catalisador de suas enfermidades. Outros começaram na fé de maneira sã, mas adoeceram contaminados pelas mazelas emocionais inerentes aos espaços religiosos. Sim, há tentações e pecados resultantes de nossa experiência coletiva religiosa; portanto, não é justo condenar somente o erro que se torna visível através de uma única pessoa quando todos, juntos, criamos o ambiente favorável que propicia a queda.

No Brasil, as leis estão organizadas para o favorecimento de um grupo privilegiado, controlador e manipulador, de maneira que, diante de seus erros, são protegidos usando as "formas da lei". Os trâmites processuais, as possibilidades de recursos e liminares, tudo conspira a favor da impunidade, da procrastinação, do adiamento da justiça. Diante de outras nações, os pecados de corrupção são do povo brasileiro; precisamos, então, de arrependimento, confissão e mudança radical.

Orar é o compromisso e a prática de um estilo de vida que, encontrando-se com Deus, rompe com os círculos perversos do ambiente social, econômico e político. Por isso, a oração do Pai Nosso é mais do que uma prece religiosa. Quem ora ao Pai nosso ora e luta pela erradicação dos males que nos rodeiam. Orar dessa maneira é orar para erradicar o fanatismo, a arrogância, a corrupção, a injustiça e a violência. Portanto, Jesus Cristo nos ensina a orar para vencermos as tentações, que são nossas. As internas – quem sabe? –, vencemos com os exercícios espirituais, com a ajuda do Espírito Santo, com a formação do caráter e o autocontrole. E as externas, aquelas oriundas das estruturas sociais corrompidas e das conjuntaras culturais apodrecidas, com nossa influência cristã sobre o mundo e nossa mensagem profética de restauração.

Da mesma forma que o pão nosso é "de cada dia", as tentações também o são. Mas podemos vencê-las com determinação, sabedoria e mobilização da sociedade civil organizada. Que Deus nos ajude, pois, a não cair em tentação, para que sejamos livres do mal.

5 CBM - Pr Carlos Queiroz

IV & V RENAS - Pr Carlos Queiroz

VI RENAS - Pr Carlos Queiroz

Pai Nosso e pão nosso - Pr Carlos Queiroz

A falta de pão na mesa do pobre é um problema decorrente da falta de espiritualidade no altar dos cristãos. O Pai Nosso é a oração pelo pão de cada dia do outro e não do nosso.
A oração do Pai Nosso é, ao mesmo tempo, a oração do “pão nosso de cada dia”. O pedido por esse pão não é um apelo para o suprimento material. Jesus Cristo já havia ensinado aos seus discípulos a não se preocuparem com o alimento. Também já se conhecia a ideia de que Deus dá o pão aos seus amados enquanto eles dormem, de acordo com o Salmo 126. Conforme Jesus Cristo, a natureza se encarrega de suprir a carência das aves dos céus e dos lírios do campo; se Deus assim supre os pequenos animais e os vegetais, há, então, suprimento suficiente para todas as pessoas do planeta. Como sabemos, o problema da falta de alimento para muitos não se deve à superpopulação ou à falta de solos aráveis. A monocultura, a exploração do semelhante e a concentração de renda, entre outros fatores, geram a fome e a miséria que têm vilipendiado tanta gente. Portanto, na oração do Pai Nosso, o pedido não é pelo pão – e sim, pela prática da socialização do pão.
O alimento é um direito de todos os seres humanos. Quando uma minoria detém a maior parte dos bens, outras pessoas irão padecer necessidade. O problema da desnutrição, para muitos, está na má utilização dos recursos naturais, quando se visa apenas ao lucro e ao acúmulo de capital, o que também leva à degradação do meio ambiente. Logo, o Pai Nosso não é uma prece para ser meramente repetida em nossas liturgias; ela é a oração sobre a ética da propriedade e dos bens.
Para Jesus Cristo, vale mais uma vida eticamente correta do que a oração corretamente pronunciada. Há muitos cristãos orando o Pai Nosso sem, contudo, expressar o reconhecimento – muito menos, o arrependimento – de que estão pondo muitas pessoas sob o castigo da fome e da morte. E é por causa de nosso egoísmo, revelado quando comemos muito e deixamos outros com fome, que há muitos doentes e mortos em nosso meio. Não discernir essa realidade significa comer e beber juízo para si, conforme I Coríntios 11.23-27. Para muitos de nós, o Pai Nosso pode ser compartilhado e dividido; mas o pão, esse não – é exclusivamente “meu”. Ele é o ídolo que só na reza ou na burocracia religiosa pertence ao outro. O máximo que fazemos é uma doação filantrópica de nossas sobras. E, se damos a sobra, apenas denunciamos o nosso contexto de injustiça. É hipocrisia doar a sobra como se fosse um ato de misericórdia. A misericórdia se evidencia pela doação daquilo que nos faz falta.
Todo ídolo exige sacrifício. O ídolo de mercado, representado pela acumulação de propriedades e rendas, vive guardado no altar sagrado dos cofres bancários, venerado pelos seus adoradores, os mesmos que sacrificam os mais fracos e vulneráveis da sociedade. No Brasil, o pão é de uma minoria. Mais de 32 milhões de pessoas passam fome, e 65 milhões de brasileiros alimentam-se de forma precária. O pão é um bem que pode ser acumulado ou socializado; por isso, a oração do Pai Nosso tem implicações econômicas, sociais e políticas. Orar ao Pai do céu pelo pão de cada dia é uma premissa contra a acumulação de bens. O mundo seria diferente se todos os cristãos fizessem do Pai Nosso uma prática de justiça, solidariedade e socialização do pão.
O Pai Nosso é a oração pelo pão de cada dia do outro. É a oração que muda a concepção fundiária e subverte a noção de renda ou posse dos bens. Portanto, é muito mais do que um jeito de orar – é, de fato, uma maneira de se viver. O bem-aventurado pobre de espírito, citado em Mateus 5.3, vive motivado pela sensibilidade e pela compaixão, e tem prazer em socializar com outras pessoas tanto o Pão da Vida quanto o pão da terra. Além do mais, o bem-aventurado pobre de espírito é também feliz porque sente fome e sede de justiça. E essa sua fome, essa sua sede, são aguçadas diante da fome sofrida pelos injustiçados.
Não podemos mais admitir que nosso país – o maior em número de católicos e o segundo maior em número de protestantes – seja um dos países mais injustos do planeta. A falta de pão na mesa do pobre é um problema decorrente da falta de espiritualidade no altar dos cristãos. A carência de alimento passa a ser um sinal de nossa falta de espiritualidade à medida que o outro não o tem. Que o Pai do céu nos ajude a socializar o pão da terra.

4 CBM - Pr Carlos Queiroz

I Ig Batista de Londrina - Pr Carlos Queiroz

VIII Conf Missionaria
http://vimeo.com/38364274 from pedreiros on Vimeo.

Espiritualidade egolátrica - Pr Carlos Queiroz

Na espiritualidade ególatra, o sacerdote se confunde com a divindade.
A egolatria não é o simples cuidado do indivíduo consigo mesmo. Cuidar de si mesmo, afinal, é uma virtude. Quando praticamos o cuidado conosco mesmos, aprendemos a amar mais as pessoas. A egolatria não é também um sentimento de egoísmo. O indivíduo egoísta tem a expectativa de que todas as coisas e pessoas estejam em torno de seus interesses. Sem dúvida, isso é pecado; mas não é, ainda, um culto ao ego. Isso porque, enquanto o egoísta deseja que todas as coisas existam para atender seus interesses, o ególatra acredita que tem o poder para mover todas as coisas e pessoas em torno de si. A principal marca do ególatra é a cobiça, às vezes demonstrada por atitudes extremas. Tal sentimento foi muito bem exemplificado na proposta do diabo a Cristo: “Tudo isso te darei se, prostrado, me adorares.”  
A egolatria é mais danosa do que a idolatria. E existe, lamentavelmente, uma espiritualidade ególatra, aquela que é caracterizada pela prática religiosa cujas celebrações e liturgias favorecem a promoção de personalidades. Na idolatria, a divindade é inanimada; o ídolo não controla a situação. Já na egolatria, o ego-deus tem boca e fala; tem nariz e cheira; tem pés e anda. Ele tem uma inteligência cheia de artimanhas; em geral, possui carisma e cativa as massas. O ego-deus consegue passar a ideia de que foi o único dotado para uma missão especial – assim, possuiria poderes especiais, como uma capacidade mística de desvendar os mistérios escondidos no além e trazer revelações sobrenaturais.
Nas instituições caracterizadas pela egolatria, há a necessidade de intermediários entre os devotos e o divino. Por essa razão, os cargos e papéis espirituais são uma espécie de concessão do ego-deus a esses intermediários, sob a condição de trocas simbólicas e materiais. Diante de um ego-deus, todos os seguidores obedecem, sem o mínimo de discernimento. Qualquer atitude crítica é denunciada como rebeldia intolerável. A egolatria é marcada pela necessidade de promoção pessoal, vanglória e arrogância. Os ególatras necessitam de títulos que os façam diferentes. Em se tratando da vocação pessoal, os dons e ministérios não representam habilidades para servir às pessoas; eles são, isso sim, títulos particulares, espécie de insígnias ostentadas como demonstração de poder e domínio. Nos ambientes marcados pela egolatria, títulos que, em si mesmos, em nada credenciam seus detentores como sobre-humanos – como pastor, padre, bispo, apóstolo –, assumem um significado de divinização de indivíduos em seus feudos religiosos e redes de submissão ao seu controle.
Na espiritualidade ególatra, o sacerdote se confunde com a divindade. O agente mágico e a divindade fundem-se numa só personalidade. Mas o ego-deus é materialista, possessivo, vingativo; seu discurso não glorifica ao único Deus, Senhor dos céus e da terra, mas favorece a própria dominação, estimula a vassalagem dos seguidores e legitima a dinâmica do poder. A legítima pregação bíblica é substituída por um discurso caracterizado por frases-feitas e palavras de ordem supostamente capazes de mover a mão divina, decretar a bênção e promover bem estar físico e material aos adeptos – normalmente, em troca dos chamados sacrifícios, quase sempre realizados através do dinheiro.
Se, numa determinada comunidade, as pessoas estão dando mais ênfase à experiência espiritual que isola, discrimina os de fora e põe os supostamente espiritualizados em pedestais, é bem provável que estejamos diante da espiritualidade egolátrica, e não do modelo proposto por Jesus Cristo. No Evangelho de Cristo, o que é aparentemente oculto é revelado aos pequeninos do seu Reino. As boas novas “escondidas” em Deus, de fato, estavam sempre presentes; todavia, os seres humanos sofisticados não compreenderam a singeleza dessa mensagem: a de que aos pobres e aos pequeninos é que foram reveladas as boas novas a respeito do Reino de Deus (Lucas 10.18-19). As “revelações” recebidas pelos poderosos dos empreendimentos religiosos não dizem respeito à mesma revelação anunciada pelo Filho de Deus aos pobres e pequeninos.
É muito importante que saibamos discernir entre a espiritualidade revelada por Jesus de Nazaré e aquela praticada nas ambiências egolátricas da cristandade brasileira.

Cristo na cidade - Pr Carlos Queiroz

O Senhor estará na cidade na medida em que seus habitantes sinalizem pelo testemunho a busca ou a presença de Deus.
A vida urbana é uma construção humana em busca da sobrevivência social, política e econômica. A formação das cidades é a experiência resultante dessa busca de sobrevivência atrativa. Nas últimas décadas, a formação de grandes cidades é um processo acelerado e irreversível em todo o mundo. São milhões de pessoas vivendo em áreas relativamente reduzidas, uma forma de convivência repleta de complexidade. De um lado, o encanto da modernidade: arranha-céus com tecnologia inteligente, meios de transporte de alta velocidade, gigantescos shopping-centers, serviços de todo tipo. De outro lado, o espaço urbano trouxe consigo o acúmulo de lixo, os engarrafamentos, a violência, o abismo entre ricos e pobres. Novos atores sociais surgiram com a urbanização, como o traficante, o flanelinha, o trombadinha.
O mundo urbano, formado como resultado da industrialização e do incremento das tecnologias, gerou uma forma de convivência individualista: cada ser humano busca uma maneira de existir sem que os outros lhe perturbem. A automatização limita os diálogos; as grades separam vizinhos; a janela do carro permanece fechada. Nas cidades, as relações humanas são fundamentadas na produtividade, no lucro, na competitividade. A sociedade urbana divide-se entre os que possuem poder de compra e os outros, que vivem à margem do sistema econômico e que a dinâmica do processo encarregou-se de empurrar para as periferias.
O crescimento das cidades levou ao fenômeno da coletivização. Já não há espaço para individualidades – o que existe é a massa, a galera. Acontece que, em qualquer lugar, as pessoas sempre buscarão uma experiência religiosa. Onde estiver um ser humano, ali há de acontecer um “evento” religioso. Faz parte da natureza do homem a sensação do vazio que necessita ser preenchido pelo sagrado. Na maioria dos casos, essa relação é apenas uma projeção subjetiva das realidades cotidianas – mas, no contexto da polis, ela assume novos matizes. Quando utiliza linguagens, símbolos e imagens, a religiosidade urbana comunica o individualismo, a concorrência, a violência, até. As divindades veneradas são tão egoístas como seus adoradores. De alguma forma, diante da linguagem e da expressão religiosa, será possível se identificar o quanto humano ou desumano é o povo de uma cidade.    
No Apocalipse, João falou de cidades. Elas são descritas tendo como arquétipo as realidades espirituais conhecidas pelo narrador do texto. Babilônia e Nova Jerusalém apresentam diferentes manifestações de Deus – a destruição de um lado, o amor de outro. Babilônia venera o Dragão, um poder maligno que ameaça o povo de Deus. Em Nova Jerusalém, contudo, reina o Cordeiro. Na escatologia do Apocalipse, é possível perceber semelhanças sinais de Babilônia em São Paulo, Nova Iorque, Mumbai, Cairo, Londres. A Babilônia no mundo urbano pode ser a influência de um poder fora da geografia da comunidade que sofre. Uma influência grande, aparentemente irresistível. Pode ser o mercado, a alta tecnologia, o materialismo, a idolatria, a degradação ambiental, a exploração. Como a Besta, eles querem deixar suas marcas nos cidadãos. 
Babilônia e Nova Jerusalém são realidades urbanas enfrentadas pela humanidade. A Nova Jerusalém é uma sociedade vinda da parte de Deus, mas sob a ameaça constante do poder político e econômico da Babilônia. Assim, identificar as “Babilônias” e as divindades de cada época, mantendo a esperança por novas realidades e lutando contra as contradições desumanas na cidade, são o sonho e o projeto dos seguidores de Jesus Cristo. O fenômeno da urbanização, com todas as suas complexidades, é uma oportunidade de serviço oferecida aos cristãos. Erigir a Nova Jerusalém é o sonho possível da presença de Deus no meio urbano. Nesta cidade, não há templos como os que vemos em nossas ruas e avenidas, “pois seu templo é o Senhor”, conforme João. É essa aspiração pela presença de Deus que está em evidência.
O Senhor estará na cidade na medida em que seus habitantes sinalizem pelo testemunho a busca ou a presença de Deus. O Verbo se fez carne e habitou entre nós; então, há espaço para Jesus nas cidades. Quando Deus se faz presente, manifestam-se os sinais do seu Reino: amor e justiça, graça e paz, alegria e solidariedade. Que esses sinais sejam mais evidentes em nossa realidade urbana.

Conferencia Missionâria Betel - Pr Carlos Queiroz

Religião e magia - Pr Carlos Queiroz

Muitos crentes têm confiado no poder de objetos e ditos mágicos.
Podemos chamar de magia à prática de se conferir valor espiritual a objetos, rezas ou artifícios místicos. Poderes mágicos, ou sobrenaturais, costumam ser atribuídos pelas pessoas a uma determinada crença ou sacerdote. E é da natureza do negócio religioso a crença de que esses sacerdotes, ou agentes mágicos da religião, possuem um poder especial para manusear objetos ou proferir rezas, tornando-os sagrados ou amaldiçoados. Tais supostos poderes podem ser estendidos a substâncias como água ou sal. Assim, se o sacerdote faz determinada prece ou rito, a água já não é simplesmente água – passaria a ter um valor agregado, capaz de proporcionar benefícios a quem tomá-la ou tocá-la. Sal abençoado, nessa lógica, já não é simplesmente um composto de cloro e sódio; passa a ter poderes para afastar os espíritos ruins que perturbam as pessoas. Por isso é que surgem líderes que nada mais são do que charlatães, prontos a diagnosticar problemas espirituais nas pessoas e a oferecer-lhes soluções mágicas – quase sempre, em troca de dinheiro. E esse sistema não é exclusivo das crenças de outras religiões; o cristianismo traz em sua essência religiosa esses elementos estranhos à vivência comunitária de Jesus Cristo e à primeira geração de discípulos.
No cristianismo reformado, por exemplo, não se percebia, até algum tempo atrás, a crença no poder e mediação de objetos ou símbolos mágicos. Nunca, tampouco, a tradição evangélica atribuiu poderes especiais a declarações positivas ou chavões. Sou filho da geração evangélica que não acreditava, por exemplo, no poder dos objetos usados como amuletos para gerar benefícios ou malefícios sobre as pessoas. Havia, na Igreja protestante, uma percepção crítica e uma rejeição explícita tanto à água benta como à suposta incorporação de Jesus Cristo na hóstia – crenças típicas do catolicismo romano. Surpreendentemente, o pão e o vinho abençoados no rito protestante, mesmo que usados, também, para punição e discriminação das pessoas, em geral, não foram submetidos à mesma critica. Quando os objetos se tornam sagrados, passam a ter mais importância do que as pessoas.
Que dizer, então, de práticas ocultistas, mecanismos de amarrações do mal e consagrações de amuletos? Diante de necessidades, medo, opressão e dependência, os clientes da fé vão fortalecendo e gerando enriquecimento das empresas religiosas, por meio da mercantilização do Evangelho. Essa lógica inescrupulosa tem contaminado várias religiões brasileiras, incluindo muitos segmentos evangélicos. De fato, o cristianismo brasileiro passa por um processo de sincretismo interno e externo. Basta observarmos que, do ponto de vista da liturgia, o catolicismo adota práticas dos ritos do pentecostalismo. Por outro lado, grandes grupos evangélicos apropriam-se de terminologias e práticas de magia estranhas à tradição reformada. A questão grave é a militância e a competição acirrada entre as religiões na busca ávida por adeptos a serem explorados..
Magia, mercado e idolatria (a visível e a invisível) formam um conjunto favorável para o sucesso das indústrias da fé. Nesse contexto, a aspiração pelo sacerdócio ou liderança religiosa precisa ser avaliada, a fim de se identificar se a opção é pela vocação mesmo ou mera resposta à tentação por poder e dinheiro. Da mesma forma, os fiéis precisam discernir quanto à opção por um ambiente religioso que atenda às expectativas essencias da religião – que é o de favorecer um ambiente onde se desenvolvam valores, princípios e uma boa ética. Contudo, se esse ambiente gera dependência, medo e discriminação, provavelmente, não representa a matriz estabelecida por Jesus Cristo e a primeira geração de discípulos, que anuncia libertação, resgate da dignidade humana e justiça solidária.
Sem emitir um juízo de valor no que diz respeito às negociações dos símbolos e expressões religiosas, há que se levantar outra possibilidade quando se exercita uma espiritualidade fundamentada excessivamente pela prática da magia. Nesta situação, a missão tende a ser uma interferência exclusiva pela via da magia milagrosa, e não como desdobramento de uma práxis evangélica, como sinal do Reino de Deus. Se as coisas são supostamente resolvidas por uma frase positiva ou por determinado fetiche, acentua-se a alienação quanto às explorações e injustiças sociais, comprometendo a missão que exige transformação do coração das pessoas e das conjunturas e estruturas políticas e econômicas injustas da sociedade. Se a religião é o ópio do povo, a magia é o narcótico. Que Deus nos ajude a encontrar uma espiritualidade permeada de discernimento.

2001 a 2010 - Uma década se vai. O que esperar da próxima? - Pr Carlos Queiroz

Acredito nas transformações políticas, econômicas e sociais que possam beneficiar os países pobres do mundo.
Fechamos a primeira década do terceiro milênio! Foram dez anos de fatos marcantes, grandes catástrofes, mudanças políticas, sobressaltos econômicos, conquistas esportivas, crimes hediondos. Enfim, uma década com tudo de bom e de ruim que o gênero humano pode produzir – com a diferença de que, neste decênio, a natureza mostrou-se assustadora como nunca. Quem não se lembra, por exemplo, do tsunami de 2004, a maior catástrofe natural da História, com suas quase 300 mil vítimas fatais? Ou do terremoto no Haiti, em 12 de janeiro de 2010, que arrasou um país já miserável e ceifou perto de 250 mil vidas? Isso, sem falar em furacões devastadores, nas grandes secas e nas inundações ao redor do planeta, inclusive vários episódios aqui no Brasil.
Por falar no país do futebol, celebramos a conquista da Copa do Mundo de 2002 , mas lamentamos as duas patéticas derrotas em 2006 e 2010. Organizamos uma edição dos Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro, em 2007, e conquistamos o direito de sediar o Mundial de Futebol em 2014. Mas o mesmo Rio de Janeiro que será sede olímpica em 2016 passou dez anos às voltas com a violência urbana, cuja face mais sinistra foi o assassinato do menino João Hélio, de 6 anos, arrastado até a morte pelas ruas em fevereiro de 2007, quando bandidos roubaram o carro de sua mãe. Foi uma década mortes, muitas mortes – crimes de repercussão, como o assassinato da garota Isabella Nardoni, atirada pela janela pelo próprio pai em 2008, em São Paulo, ou brutalidades anônimas que vitimaram gente sem nome: execução de mendigos, chacinas na periferia das metrópoles, crianças barbarizadas por pedófilos.  
Tivemos, nesta década, cerca de quatrocentos mil brasileiros assassinados. A criminalidade é chaga social longe de ser curada, ou ao menos, tratada com eficiência. No campo religioso, o mundo assistiu a conflitos desencadeados em nome de Deus – o tão falado choque de civilizações que promoveu o 11 de Setembro de 2011 desencadeou sangrentas guerras contra o terror no Afeganistão e no Iraque. A Igreja Católica mudou de comando em 2005, mas a substituição do papa João Paulo II pelo alemão Joseph Ratzinger, ou Bento XVI, em 2005, pouco interferiu nos rumos do catolicismo, cada vez mais exclusivista e unilateral. Já a Igreja Evangélica cresceu muito, sobretudo no Terceiro Mundo. Em determinados contextos, como o brasileiro, foi um crescimento questionável, em que o avanço numérico se fez à custa não apenas da pregação da Palavra, mas de práticas descabidas de manipulação e exploração de fiéis.
Nos últimos dez anos, presenciamos o acirramento da militância e da concorrência religiosa. Os símbolos religiosos passaram a ocupar espaços, como se os bens públicos fossem também oficialmente propriedades da religião hegemônica. Em vez de engajamento e luta pela formação ética da nação, e transformações conjunturais e sociais que beneficiem a todos, os principais segmentos cristãos se prestaram mais à fidelização de devotos enclausurados aos interesses internos de suas indústrias da fé.
Nesta década, nós, brasileiros, experimentamos também um processo de consolidação política e econômica. A democracia desenvolveu-se a ponto de levar o primeiro proletário à Presidência da República, em 2002. Oito anos depois, Luiz Inácio Lula da Silva saiu do Planalto saboreando índices de popularidade inéditos, deixando como sucessora a primeira mulher a governar o país. O tão propalado “país do futuro” ganhou autoestima, baseada na estabilização da moeda e nos bons índices de crescimento, mesmo em meio a revezes internacionais, como a grande crise mundial de 2008. Ainda há muita tarefa pela frente, especialmente no que diz respeito aos direitos e democratização da economia. A reforma tributária poderá garantir mais sustentabilidade para a vida, se incorporar, por exemplo, mecanismos que garantam mais participação dos pobres, dos pequenos produtores, dos trabalhadores informais.
Diante disso, o que esperar para a década que acaba de começar? Acredito nas transformações políticas, econômicas e sociais que possam beneficiar os países pobres do mundo. Espero o esvaziamento das religiões e templos que foram reduzidos a meras instituições arrecadadoras de fundos. Peço a Deus que nos ajude a encontrar soluções para salvar nosso planeta. E, falando como todo brasileiro torcedor, sonho, claro, com vitórias em Copas do Mundo e medalhas olímpicas. Mas que estejamos realmente engajados não em uma corrente pra frente em busca de gols, mas num grande movimento para o cumprimento das metas do milênio. 

Acolhimento em nome de Deus - Pr Carlos Queiroz

"Digamos sim ao amor e ao cuidado das crianças ? afinal, são elas nossas filhas."
No dia 12 de janeiro, foi preso o acusado de ter raptado, molestado sexualmente e depois assassinado a criança Alanis Maria, de apenas 5 anos. A criança estava com seus familiares na celebração de uma missa na Igreja Matriz do Conjunto Ceará, em Fortaleza (CE). O acusado confessou ter assistido parte da celebração, e quando percebeu a criança mais distante dos olhares das pessoas procurou chamar sua atenção até levá-la para o matagal onde, posteriormente, foi encontrado o corpo da criança. Foi insuportável a indiferença e frieza com que relatou com detalhes ato tão perverso. Se é verdade a confissão do suposto criminoso – a de que fora molestado sexualmente quando pequeno –, o tema sobre a proteção das crianças é bem mais amplo e os seus desdobramentos, mais dramáticos.
O assunto é complexo e tem várias interpretações. Não precisamos ir muito longe para constatar que a violência contra crianças e adolescentes tem se tornado um mal crônico e quase cultural no Brasil. Ela vai da indiferença e do descuido ao abuso e exploração sexual, passando por toda sorte de maus tratos e chegando aos casos de assassinato. Tratando-se da violência sexual praticada contra criança e adolescente, ela pode manifestar-se de diversas formas, sendo as de maior ocorrência o abuso sexual dentro da própria família e a exploração sexual para fins comerciais. Menores submetidos a esse tipo de violência sofrem danos irreparáveis para o seu desenvolvimento físico, psíquico, social e moral.
Tenho me deparado com vítimas desse absurdo. São meninos e meninas que tiveram suas infâncias roubadas e os sonhos perdidos; resta-lhes um futuro sem perspectivas. Uma garota de 11 anos me contou o seguinte: “Transei com um gringo, recebi o dinheiro e fui comprar brinquedos”. Atividade de adulto, corpo e cabeça ainda infantis. Qual será o futuro dessa menina? E de tantas outras vitimadas pelo abuso e exploração sexual no Brasil?
Tão grave quanto a pedofilia é o muro de silêncio que cerca essa situação, constituído pela indiferença social e pela cultura da impunidade dos agressores. Cria-se, assim, uma nova forma de violação às vítimas. A sociedade, de modo geral, precisa estar mais atenta – mas, principalmente, os pais e mães, os homens e mulheres que se confessam seguidores de Jesus Cristo precisam estar mais comprometidos em seguir os ensinos do Mestre sobre a prioridade das crianças em sua nova sociedade: o Reino de Deus. “Quem recebe uma criança em meu nome, a mim me recebe”, disse o Filho de Deus.
A Igreja, principalmente, não deve se manter indiferente a um problema tão grave, que além de afrontar a vida, encobre a possibilidade de acolhermos a revelação de Deus na vida de nossas crianças. É uma questão de compromisso com o Deus eterno, o Pai protetor de todas as crianças. E essa proteção divina vai se realizar através das mãos dos servos de Cristo, que resolverem continuar a história da salvação, preservando a vida, cuidando e amando uns aos outros e praticando a justiça contra o opressor e espoliador.
Como eu gostaria de perceber outra vez as crianças perturbando nossas liturgias e nossos espaços burocráticos. Quanto mais elas estiverem perto das pessoas de bem, mais estarão protegidas. É nossa a tarefa, como cidadãos e como Igreja do Senhor, torna-las protagonistas das manifestações de Deus em nossas vidas. Sim, que ele nos ajude em nossa conversão e sabedoria criativa. Precisamos propiciar às nossas crianças espaços coletivos de lazer e educação, ambientes comunitários onde, sob os olhares de muitos, elas possam ser percebidas como atores da revelação de Deus e não como objetos de desejos torpes e vis interesses comerciais. Precisamos também acionar os mecanismos legais e de responsabilização – seja da família, da escola ou do Estado.
Faça da sua família, de sua igreja, de sua comunidade, um ambiente em que o bem suplanta e vence toda forma de mal e violência. Vençamos o mal com o bem. Estejamos comprometidos contra toda a forma de violência. Como disse o reverendo Luther King, que digamos “não à violência do coração, não à violência da palavra, não à violência do punho”. Digamos sim ao amor e ao cuidado das crianças – afinal, são elas nossas filhas.
A criança Alanis Maria se foi. Quantos outros casos estão acontecendo neste momento pelo Brasil sem que tomemos qualquer conhecimento, vitimando menores e famílias excluídas, sem qualquer acesso aos meios de comunicação?
Quantas serão inexoravelmente entregues ao abandono e ao esquecimento? Se somos filhos e filhas de Deus, proteger e servir a toda e qualquer criança é servir aos filhos e filhas da mesma família. Em outras palavras, é servir a si mesmo como parte de um todo: a humanidade amada por Deus.

Espiritualidade e responsabilidade social - Pr Carlos Queiroz

As comunidades de Jesus Cristo são chamadas à obediência na luta pela justiça e na prática da misericórdia.
sempre que se fala de espiritualidade, pressupõe-se uma experiência humana no campo religioso e subjetivo da fé, alienada às demais experiências da vida. No cristianismo, quando se aborda sobre responsabilidade social, a ênfase recai no ativismo enquanto serviço prestado ao próximo, seja pela proclamação do Evangelho, seja pelas obras de misericórdia e justiça. Contudo, espiritualidade e responsabilidade social são eixos paralelos do mandamento principal das Escrituras: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo” (Mateus 22.37-39).
Assim, amar a Deus é uma missão espiritual, do mesmo modo que amar ao próximo é o exercício de uma espiritualidade missionária a serviço do outro. Estas duas manifestações cristãs evidenciam-se de forma interativa e interdependente. Por conta dessa interação, a espiritualidade cristã precisa sempre encontrar o seu caminho devocional em missão ao próximo. A espiritualidade pode ser entendida como uma experiência humana no campo da fé e a responsabilidade social e política, como uma resposta ética dessa mesma fé.
As relações sociais, políticas, econômicas e religiosas da sociedade em que estamos inseridos anunciam ou denunciam a espiritualidade desta mesma sociedade. Espiritualidade e responsabilidade social confluem-se na vida e natureza da Igreja de Jesus Cristo. De um modo geral, na cristandade, tem havido muita contradição entre a mesa do pobre e o altar suntuoso dos cristãos – e a falta de pão na primeira pode ser uma denúncia da ausência de espiritualidade no segundo. Acontece que a responsabilidade social cristã não pode tornar-se apenas um serviço voltado para o problema da falta de pão para os pobres, ao mesmo tempo que a espiritualidade não deve ser uma tarefa exclusiva em torno do altar.
Mais grave do que esta dicotomia é a constatação de que o cristianismo brasileiro, mesmo que numericamente significativo, não tenha conseguido responder, na mesma proporção de seu avanço quantitativo, às demandas de nossa sociedade, especialmente no que diz respeito à promoção da justiça. No contexto brasileiro, há várias práticas espirituais em diversas comunidades cristãs que evidenciam distorções e limitações na atividade missionária da Igreja. Se considerarmos a responsabilidade social e política da Igreja Evangélica como um desdobramento das práticas espirituais expostas nas vitrines no cenário religioso brasileiro, precisaremos rever com qual evangelho estamos comprometidos. Há uma espiritualidade de fetiche, marcada pela magia e crença no poder de objetos e amuletos. Nessa espiritualidade superficial e alienada do pão de cada dia para todos, a solução dos problemas e demandas da vida tendem a ser individualizada. Assim, a responsabilidade social da igreja tende a ser vista como uma interferência exclusiva pela via do milagre, e não como desdobramento de uma práxis evangélica transformadora.
Já outros grupos exercitam uma espiritualidade marcada pela supervalorização da estética em detrimento da ética. O serviço religioso é elaborado com todos os sinais externos de pompa e espetáculo. A espiritualidade é meramente ritualista, superficial, predispondo seus praticantes a uma missão que gira em torno do sucesso e popularidade de seus sacerdotes ou do reconhecimento de suas obras cultuais. A manjedoura, o jumento e a cruz são, no máximo, símbolos; mas os pobres recém-nascidos, os que possuem meios limitados de transportes e os que continuam em processo de crucificação em nada desfrutam de uma espiritualidade depreciadora da ética – isso quando a causa do pobre não é mera bandeira institucional e publicitária a serviço da imagem pública da instituição.
As comunidades de Jesus Cristo devem ser motivadas pelo amor a Deus e às pessoas, e não pelo amor ao dinheiro. Elas são chamadas à obediência na luta pela justiça e na prática da misericórdia. Para vencer o mal que se manifesta nas estruturas e conjunturas sociais, políticas, econômicas e culturais, elas buscam nos instrumentos estabelecidos pela sociedade civil os mecanismos para tornar a justiça um rio permanente. Numa democracia, as autoridades são todas as instâncias de poder para a prática do bem, conforme Romanos 13. Desse modo, uma igreja socialmente responsável se utilizará dos instrumentos democráticos para que a sua espiritualidade em missão tenha incidência nas políticas públicas, nos direitos do cidadão e nos testemunhos de boas obras e prática da justiça.  
No Evangelho ensinado por Jesus, oramos no quarto secreto (tameion) ao Pai nosso que está nos céus, numa espiritualidade transcendente, pessoal e íntima que tem necessariamente implicações nas vivências públicas – afinal, a Igreja é o sal da terra e a luz do mundo. A oração ao Pai nosso é ao Pai da comunidade e na comunidade. Na Oração Dominical, quando se pede o pão nosso de cada dia, pede-se num gesto espiritual de oração por um bem social que pode ser acumulado ou socializado. Assim, espiritualidade e responsabilidade social são manifestações transcendentes e ao mesmo tempo inseridas nas realidades que vão se tornando história.

O coroinha e o office-boy - Pr Carlos Queiroz



A essência da liderança é o cuidado especial para com as pessoas.

Quando se afirma que uma determinada pessoa é líder, isso não significa necessariamente um acréscimo de qualidade positiva àquela pessoa. Denominam-se de líderes, por exemplo, desde os governantes aos chefes de gangues; dos gestores de empresa aos sacerdotes de uma religião. Enfim, seja para o bem ou para o mal, os líderes existem. Se estiver correto o conceito de que liderança é basicamente influenciar pessoas, a história registra líderes que assassinaram milhões de pessoas, como o soviético Joseph Stálin, e líderes que conduziram suas nações ao progresso social, como o pastor americano Martin Luther King Jr. Portanto, não basta ser um líder. Importa que o líder seja um ser humano dotado da capacidade de inspirar, apoiar e mobilizar pessoas a cumprir uma missão.
O mérito da liderança não é exercê-la como um fim em si mesmo, mas a capacidade de usá-la para servir. Há outros fundamentos básicos da liderança, como caráter e integridade – e essas são características que podem ser desenvolvidas por qualquer pessoa. O servo que lidera é marcado pela singularidade do bom caráter, que nada mais é que a manifestação pública do seu estado de ser. Conheço mais servos que são líderes do que líderes que são servos. E há muito mais gente escrevendo para os líderes do que para os servos. Depois que li O monge e o executivo, de James Hunter, que anima os líderes a serem servidores, fiquei pensando em escrever um livro intitulado “O coroinha e o office-boy”. Não seria uma réplica – apenas uma forma de falar de serviço a partir do público que serve e tem um potencial extraordinário para liderar.
O detalhe é que nem sempre o pastor titular é o grande líder de uma igreja. Nem sempre o artilheiro é o líder do time de futebol, assim como há gerentes que exercem muito mais liderança numa empresa do que o presidente da corporação. Muitas vezes, os líderes não têm qualquer posição oficial no grupo a que pertencem, mas se destacam por sua integridade, carisma, caráter, capacidade de influenciar as pessoas para o bem comum. A essência mais básica da liderança é o cuidado especial para servir as pessoas. O líder, neste contexto, se realiza em cumprir o seu papel peculiar de tornar os seres humanos mais humanos. O ser humano é a matéria-prima do servo que lidera. E, se a matéria-prima dos líderes é o ser humano, o produto final que realiza esses líderes é o desenvolvimento máximo das pessoas que lideram. Em geral, os servos que lideram agem assim e nunca souberam conscientemente o bem realizado.
Ora, se liderança é influenciar pessoas pelo exemplo e pelo caráter, qual outro líder na história da humanidade conseguiu influenciar pessoas tão positivamente e por tantos séculos senão Jesus de Nazaré? Seu propósito não era liderar, era servir. Todos nós temos sérias suspeitas sobre o cristianismo e sobre a incoerência das instituições cristãs; mas, nem mesmo os opositores da religião cristã têm qualquer suspeita sobre a capacidade extraordinária do serviço de Jesus Cristo prestado à humanidade. Nessa tentativa de propor uma liderança marcada pela integridade, bom caráter, compromisso com a plenitude de vida para todas as pessoas, e, naturalmente relacionados ao exemplo de Jesus Cristo, o perfil proposto nesta reflexão estará sempre denunciando inadequações, equívocos e atitudes que podem ser melhoradas na liderança. O propósito não é provocar uma sensação de culpa, muito menos sugerir que alguém pode ser melhor do que outras pessoas. A intenção é fortalecer uma necessidade básica para toda e qualquer liderança – a necessidade fundamental de servir, em aprendizado e crescimento contínuos. Aprender sempre, mas nunca para ser melhor do que os outros; basta ser e fazer, a fim de se tornar o dia de hoje melhor do que o de ontem.
A partir deste raciocínio, fica evidente que a primeira tarefa do líder é cuidar de si mesmo. Há um consenso muito evidente entre todos os estudiosos sobre liderança: o de que ninguém consegue liderar outras pessoas se não gastar tempo, muito trabalho e sabedoria em liderar a si mesmo. Se a tarefa primária da liderança é amar, servir e influenciar os outros, o próprio líder é a primeira pessoa a desfrutar dessa tarefa. O líder precisa ser inspirado por seus valores, fortalecido pelo prazer de servir e motivado pela capacidade de se sacrificar. Se os monges e executivos precisam ser lembrados sobre suas potencialidades em servir, os servos – tanto os coroinhas como os office-boys da vida – precisam ser desafiados a exercer suas capacidades para que possam liderar. Não há como pensar de forma diferente: a tarefa de liderar requer de quem a exerce muita disciplina pessoal, investimento em conhecimentos diversos e, acima de tudo, conhecimento e domínio sobre si mesmo. 10-06-2009

Encontro de Liderança 2009 - Pr Carlos Queiroz















A idolatria do consumo - Pr Carlos Queiroz

O espaço urbano trouxe consigo a embalagem e o lixo dos produtos de mercado.

A habitação dos seres humanos em comunidades urbanas é um processo irreversível. Intensificado a partir da Revolução Industrial do século 18, o fenômeno da urbanização logo se mostrou irreversível – 80% da população brasileira, por exemplo, vive nas cidades. E, no espaço urbano, a vida vai se tornado atrativa e ao mesmo tempo complexa. As cidades modernas são um encanto tecnológico: aviões cruzam os céus acima de monumentais blocos de apartamentos; trens e metrôs atravessam trilhos em alta velocidade, enquanto os shoppings, templos suntuosos do consumo, viraram espaços de convivência que exercem uma atração irresistível.
Ao mesmo tempo, o espaço urbano trouxe consigo a embalagem e o lixo dos produtos de mercado. O mundo urbanizado aglutinou e incrementou a violência, acentuando a miséria e popularizando a fome. As metrópoles concentraram a riqueza e criaram novos atores sociais. A criminalidade, fenômeno decorrente das desigualdades e da cegueira social, é um câncer que cresce sem controle nos grandes e pequenos espaços urbanos, acuando seus habitantes e criando guetos impenetráveis ao poder público. E, neste mesmo espaço, homens e mulheres buscam viver com dignidade, mas são impedidos pelos poderes e potestades deste século.
urbis vai acentuando o individualismo. Na era do narcisismo e da exaltação do ego, cada indivíduo busca uma maneira de existir sem que outros seres humanos lhe perturbem. A automatização cada vez mais distancia possíveis diálogos. Por outro lado, as relações estão fundamentadas na competitividade e no lucro. A própria forma de organização da vida urbana está submetida a regras de produção e consumo. Desse modo, a sociedade urbana divide-se entre os que produzem e possuem poder de compra de um lado; e de outro, aqueles que vivem à margem do sistema econômico. Toda tecnologia é validada, desde que a serviço do capital, para impor a ideologia do consumo.
Nenhum outro contexto mostra de maneira mais clara a divisão entre ricos e pobres que as cidades. E estes lados opostos nem sempre são geográficos. No lado dos abastados, encontramos ruas e avenidas bem pavimentadas, ótimos hospitais e as melhores escolas, bem como casas suntuosas e condomínios exclusivos. Já na banda pobre, encontramos aglomerados habitacionais sem o mínimo de saneamento, becos e ruelas de difícil acesso, escolas abandonadas e postos de saúde sucateados. Nas periferias, homens, mulheres e crianças sobrevivem muitas vezes em condições de carência total. O lado dos excluídos, ou, melhor, os sem lado algum – os “sem eira nem beira” –, estão à margem, à beira: à margem dos direitos, à margem da educação, à margem do trabalho, à margem da dignidade. À beira da fome.
No entanto, esses são seres que parecem mais humanos que os habitantes das zonas douradas. Vivem à margem da competitividade, mas beirando a solidariedade. À margem da acumulação, mas beirando a partilha. À margem do lucro, beiram a gratuidade. À margem do individualismo, mas perto da fraternidade. A ideologia de consumo reboca consigo seus ídolos por meio das religiões organizadas, trazendo de volta deuses que, na natureza essencial, são não-deuses. Só existe um Deus. A idolatria é qualquer sistema, seja econômico, político ou religioso, que nos desvia de Deus e consequentemente nos distancia da fraternidade e do amor entre as pessoas. Enquanto Deus propicia vida para todos, os ídolos geram destruição, violência e morte.
O ídolo de consumo requer que seus adoradores produzam e produzam, saqueando irresponsavelmente a natureza. O ídolo de mercado exige o sacrifício dos que não consomem seus produtos – os pobres, os considerados subumanos pelos devotos da religião materialista de mercado.
E a Igreja no mundo urbano, aquela que atua na mesma ambiência desse consumo desenfreado? Ela corre o risco de ser “mundanizada”, ou seja, de cair na tentação de se organizar segundo os dogmas da sociedade urbanizada: a crença no poder da tecnologia, na capacidade produtiva, na maior valorização nos resultados sacrificando sua fidelidade ao Evangelho e pondo em risco sua integridade de expressar a natureza singular do povo de Deus. Por outro lado, a Igreja pode renovar sua aliança com o Evangelho de Jesus Cristo e os valores do seu Reino – e orar para que esse Reino venha através de suas comunidades de fé. Seu Reino é de justiça e paz.
A oração ensinada por Jesus fala de “Pai nosso” e de “pão nosso”. Ora, pão é um bem material; logo, pode ser acumulado ou socializado. Na sociedade de consumo, ele é a materialização do ídolo que só os consumidores possuem. Por isso, a crise de fome no mundo é uma questão básica de idolatria ao bem de consumo. E a crise econômica é a desarmonia dos ídolos sem neurônios. Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem e os seus adoradores. Cabe à Igreja a tarefa de se converter a Deus e resistir ao sincretismo materialista da religião de mercado.

CMESP 2009 - Pr Carlos Queiroz

Uma Igreja Revelante para os Pobres

Delas é o Reino - Pr Carlos Queiroz


A infância violentada afronta a vida

A morte brutal da menina Isabella Nardoni, crime que adquiriu contornos de comoção nacional, foi apenas mais um episódio de uma chaga quase cultural no Brasil: a violência contra crianças e adolescentes. Dos maus-tratos à tortura, da negligência ao assassinato, cada vez mais meninos e meninas são vitimadas – e isso independe de origem social, étnica ou religiosa. Entre as diversas formas de violência praticadas contra menores, o abuso sexual é, tristemente, uma das mais comuns. Ela pode ocorrer nas ruas contra crianças abandonadas; dentro das próprias famílias; ou no crime organizado, para fins comerciais. Seja qual for a forma, as crianças e adolescentes submetidas a este tipo de violência sofrem danos irreparáveis para o seu desenvolvimento físico, psíquico, social e moral.
As vítimas são garotos e garotas que tiveram suas infâncias roubadas, viram seus sonhos perdidos e passam a enxergar o futuro sem perspectivas. Lembro da frase que ouvi de uma criança de 11 anos: “Transei com um gringo, recebi o dinheiro e fui comprar brinquedos”. Uma criança com atividade de adulto, mas com corpo e cabeça ainda infantis. Qual será o futuro dessa menina? E de tantas outras vitimadas pelo abuso e exploração sexual no Brasil? O relato da menina F. G., de sete anos, contando o que o padrasto fazia com ela, traduz essa perversidade: “Ele dizia que eu não podia falar nada, senão iria apanhar. Todos os dias ele namorava comigo, quando minha tia ia trabalhar”.
Tão grave quanto a violência é o muro de silêncio que cerca situações como essa, erigido pela indiferença da sociedade e pela cultura da impunidade dos agressores. Tais constatações nos trazem profundo pesar e indignação; mas, ao mesmo tempo, o desejo de despertar e mobilizar sentinelas comprometidas a combater toda forma de violência contra a vida de adolescentes e crianças inocentes.
Precisamos, como seguidores de Jesus Cristo, amar as crianças e protegê-las. Elas devem ter acesso e direito aos símbolos religiosos, que intencionam comunicar à sociedade o livre direito de cidadania celestial. Acolher e respeitar a criança nos ambientes religiosos constitui-se num belo testemunho e exemplo para a sociedade. Precisamos propiciar às nossas crianças espaços coletivos de lazer e educação, ambientes comunitários onde, sob os olhares de muitos, nossas crianças sejam mais percebidas como atores da revelação de Deus e não como objetos dos desejos desumanos e interesses comerciais.
A Igreja, principalmente, não pode manter-se indiferente a um problema tão grave. A infância violentada afronta a vida e encobre a possibilidade de acolhermos a revelação de Deus através dos pequenos. Jesus disse: “Quem recebe uma criança a mim me recebe; e quem me recebe, recebe o Pai que me enviou”. As crianças são prioritárias no Reino de Deus, conforme o próprio Cristo afirmou: “Delas é o Reino dos céus.” Além de agir diretamente em seu socorro, a Igreja e seus agentes precisam acionar os mecanismos legais de responsabilização – a família, a escola e o Estado.
A atitude de proteção e cuidado com as nossas crianças é muito mais do que emitir significativos gestos de amor e justiça pelos pequenos filhos do Reino. Trata-se, antes de tudo, de uma questão de compromisso com o Deus eterno, o Pai criador e protetor de todas as crianças. Faça da sua igreja uma comunidade em que o bem suplanta e vence toda forma de mal e violência. Quantas Isabellas estão sendo vítimas, neste exato momento, de atrocidades no Brasil? E quantas não serão sequer mencionadas, por pertencerem às classes baixas, condenadas ao esquecimento e à indiferença?
Se somos filhos e filhas do Reino de Deus, proteger e servir a toda e qualquer criança é servir aos filhos e filhas deste mesmo Reino. Se fizermos isso, estaremos resgatando parte importante do todo, dessa criança-humanidade amada pelo Senhor. 10-06-2008

Um ídolo chamado mercado - Pr Carlos Queiroz

O mercado religioso também tem crescido, e alimentado uma florescente industria da fe?

O mercado tem sido cada vez mais citado como forc?a propulsora de sociedades inteiras e de todo tipo de relac?a?o, das interpessoais a?s internacionais. Utilizando-se de uma se?rie de mecanismos para estabelecer para?metros, fomentar condutas e definir regras, o mercado tem sido elevado a uma espe?cie de altar neste se?culo 21. Por suas regras, a capacidade empreendedora transforma mate?ria prima em produto, a fim de se atender a?s demandas e aos interesses dos clientes. E? assim que surge o lucro, objetivo primordial do mercado; na outra ponta, o mesmo produto proporciona certo grau de satisfac?a?o a quem o consome. Entidade distante da compreensa?o das pessoas comuns, e ao mesmo tempo ta?o pro?xima a ponto de interferir na vida do indivi?duo, o mercado transcendeu a esfera puramente econo?mica para intrometer-se na poli?tica, no esporte, na ecologia e ate? na religiosidade.
A indu?stria do futebol, por exemplo, conseguiu atender as demandas de entretenimento e paixa?o dos torcedores, transformando um tipo de “mate?ria-prima” em produto passi?vel de comercializac?a?o. Empreendedores conseguiram transformar o futebol num dos mais renta?veis nego?cios de mercado. A capacidade de crianc?as e adolescentes de controlar e conduzir com os pe?s uma bola de futebol – habilidade ta?o comum entre os brasileiros – e? o que alimenta essa indu?stria. Assim, a partir de garotos, sa?o fabricados atletas nas indu?strias especializadas do futebol, os clubes ou centros de treinamentos, que passam a vender atletas e servic?os de entretenimento para seus clientes.
Outro exemplo marcante e? o da chamada indu?stria de turismo, que nos u?ltimos tempos tem sido uma das principais fontes de renda de diversos pai?ses. Ha? uma demanda de clientes interessados em novas experie?ncias pessoais e no lazer. Pode-se considerar como “mate?rias-primas” deste mercado as belezas naturais de um determinado destino, assim como a arte, a cultura, o folclore ou a culina?ria de um povo ou regia?o. Enfim, empreendedores de diversos segmentos conseguem atender a?s demandas de seu pu?blico-alvo, transformando ate? mesmo o talento ou a habilidade humana em produtos a serem comercializados.
E o mercado religioso? Este tambe?m tem crescido, e alimentado uma florescente indu?stria da fe?. De um lado, temos a religia?o institucional utilizando-se dos elementos do mercado para justificar a funcionalidade pragma?tica de seus me?todos; de outro, temos os devotos desse i?dolo fundamentando esperanc?as no acu?mulo de suas da?divas, os bens materiais. Desse modo, surge uma nova forma de ser e fazer religia?o, que de fato caracteriza-se muito mais como um nego?cio de mercado. Ha? uma demanda subjetiva, a tentativa humana de encontrar na transcende?ncia uma resposta para as questo?es da vida, um jeito de se encontrar um caminho mais fa?cil e ra?pido para soluc?a?o de problemas e realizac?a?o de expectativas.
O ser humano e?, por natureza, religioso. Ele desfruta de um campo subjetivo, que o impulsiona ao exerci?cio da fe? e a? busca de um espac?o coletivo onde possa relacionar-se com a divindade. A mate?ria-prima capaz de atender a essa demanda e? a orac?a?o, a reza e os ca?nticos, assim como a confissa?o, as experie?ncias mi?sticas e as manifestac?o?es espetaculares, como o milagre. Empreendedores conseguem atender os desejos de seus clientes oferecendo-lhes os produtos da indu?stria dos nego?cios da religia?o. Da mesma forma como as indu?strias fabricam o produto final que sera? comercializado, instituic?o?es religiosas sa?o as fabricantes de respostas para consumo da alma. No mercado, tanto umas como as outras te?m a mesma natureza e usam a mesma lo?gica.
Pela lei da oferta e da procura, que rege o mercado desde os primo?rdios da civilizac?a?o, e? a sociedade que determina a viabilidade dos empreendimentos. Nos dias de hoje, com o surgimento de novos mercados, cabe a ela, tambe?m, o papel de acompanhamento e fiscalizac?a?o dos nego?cios que realizam. Os empreendedores da atividade religiosa e seus atravessadores usam como mediac?a?o o nome de Jesus, e muitos acreditam que esta?o seguindo de fato a Cristo. Na?o percebem que, na raiz dessa neocristandade, na?o se esta? buscando ao Senhor nem os compromissos decorrentes do seu Reino, mas apenas objetivando interesses exclusivamente materialistas. Os mercadores da espiritualidade fazem do nome Jesus um mero amuleto.
Dentro de tamanha relac?a?o mercantilista, na?o ha? diferenc?a se o mediador e? o Filho de Deus ou um i?dolo qualquer – ate? porque, neste caso, a grande divindade e? o capital, a conta banca?ria, enfim, o vil metal. Todavia, transac?o?es de cara?ter comercial na?o cabem no Evangelho. Para os servos de Deus, e? necessa?rio averiguar na experie?ncia de Jesus Cristo e da primeira gerac?a?o de disci?pulos uma outra maquete, fundamentada na grac?a, no amor e servic?o aos pobres e marginalizados; enfim, uma opc?a?o de servic?o e sacrifi?cio pelo bem comum.
Nesse novo jeito de se fazer religia?o, muitos crista?os, inclusive os de boa vontade, na?o percebem que fazem parte de uma nova ordem espiritual regida pelo i?dolo do mercado. Uma divindade cujas faces modernas nada mais sa?o do que maneiras novas de se fazer coisas antigas. So? na?o percebe quem ficou cego pelo deus deste se?culo.

O resgate da esperança - Pr Carlos Queiroz


O Evangelho, por natureza, é de dificil comercialização. Não se consegue vender virtudes; jamais conseguiremos vender o projeto da cruz
Tenho caminhado por muitos lugares e visitado igrejas das mais variadas confissões. E tenho presenciado manifestações inconfundíveis do verdadeiro Evangelho. O Evangelho é, por natureza, de difícil comercialização. Não se consegue vender virtudes; jamais conseguiremos vender o projeto da cruz, ou alienar por determinada quantia o perdão divino. Quem, afinal, pagaria para entregar a face ao perverso? Quantas pessoas estariam dispostas a pagar para sofrer por amor a Cristo? Quantos de nós pagaríamos para nos engajar na causas pela justiça? E quantos ricos aceitariam o Evangelho se tivessem que entregar metade dos seus bens aos pobres e ainda pagar, quatro vezes mais, àqueles a quem houvessem defraudado?
Encontro comunidades que vivenciam com profundidade a natureza do Evangelho. Uma delas é a Igreja Batista de Bultris, em Olinda (PE). É uma comunidade de pessoas, em sua maioria, pobres. Por opção, aqueles crentes construíram um templo sem janelas e portas, com o único propósito de servir como espaço de abrigo aos transeuntes sem-teto. Ali, os empobrecidos do bairro são acolhidos. A congregação participa dos conselhos municipais e possui núcleos para formação de bancos comunitários em parceria com entidades de educação e serviço para empreendedores pobres. A igreja em Bultrins promove anualmente um fórum de prática e reflexão teológica para representantes de várias comunidades cristãs do Nordeste – assim, consegue passar essa visão e influenciar a vida de muitas outras pessoas.
Conheço de perto também a organização Crianças do Brasil para Cristo, o CBC, formada por membros de várias igrejas em Fortaleza (CE). O CBC não recebe apoio de nenhuma instituição internacional. Todo custo para apoio escolar, alimentação e socialização de crianças e adolescentes através de atividades esportivas e culturais são provenientes de doações individuais e serviços voluntários, beneficiando mais de 300 menores. Vários daqueles jovens ingressaram na universidade; outros abandonaram a violência e retomaram o caminho dos estudos.
Trata-se de pequenas iniciativas? Por certo. Mas, somadas, elas podem nos surpreender por seus resultados. Sem dúvida alguma, os cristãos têm potencial para fazer muito mais. Há ainda muitos recursos sub-utilizados. Os dados estatísticos nos indicam que a grande massa evangélica brasileira é ainda composta pela soma das pequenas comunidades, e não pelos grupos evidentes na mídia. Elas estão distribuídas nas periferias urbanas; nas encostas dos morros; nas regiões ribeirinhas; no semi-árido nordestino. São crentes em Jesus que moram à beira do caminho – à margem dos direitos e à beira da miséria; à margem dos hospitais e à beira da morte; à margem das escolas e à beira da ignorância; à margem do trabalho e à beira da fome.
Por outro lado, esta parte do Corpo de Cristo permanece à margem da competitividade, mas diante da solidariedade; à margem da acumulação, mas vizinha da partilha; à margem do lucro, mas próxima da gratuidade; à margem do individualismo, mas de braços abertos para a fraternidade. Eles me ajudam a interpretar e entender a manjedoura, a encarar o sofrimento, a encontrar no calvário sinais de vida e ressurreição. Eles podem me trazer lembranças das coisas que resgatam a esperança da vida. Deus continua se revelando de maneira estranha e em lugares imprevisíveis – e nós não percebemos. 11-10-2007

Por uma cultura de paz - Pr Carlos Queiroz

O novo ser humano começa na descoberta de um mundo interior

Findo o caso Nardoni – com a condenação do casal que atirou pela janela a menina Isabella, crime que chocou o país há dois anos –, um novo episódio brutal mobiliza a fúria popular. Agora, a bola da vez é a promotora de Justiça aposentada que massacrou a criança de dois anos que pretendia adotar. Ainda não se sabe como o caso irá terminar, mas seu desenrolar já fez a opinião pública praticamente esquecer o horror das crianças perfuradas com agulhas ou os abusos sexuais cometidos por sacerdotes. É, de denúncia em denúncia, de crime em crime, a sociedade brasileira vai se acostumando à violência, inclusive aquela praticada contra menores. 
Quando banalizamos a vida, permitimos que as mais variadas formas de violência façam parte de nossa rotina. Ela vira uma cultura, uma prática social aceita e natural. Pessoas, grupos sociais e instituições são conduzidos a se agredirem mutuamente, a tomarem à força os bens e o patrimônio de outros, a buscarem pelo abuso do poder a dominação, a humilhação e exploração do próximo. No Brasil, ela se manifesta em todos os espaços – na família, nas ruas, nas instituições religiosas, nos partidos políticos. A praga da violência brasileira contaminou a linguagem, o humor, a letra das músicas, as expressões étnicas, os esportes. O que dizer, por exemplo, da onda de baderna e brutalidade que tomou conta das torcidas organizadas de futebol? A violência já não é mais tema exclusivo de segurança pública; é questão de saúde, demanda de interesse da ética e da espiritualidade humana.
Diante disso, o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, celebrado em 18 de maio, passou despercebido para a maioria das pessoas. Mas algumas iniciativas mostram que a cultura de paz, se incentivada por todos, pode florescer neste país. Há que se celebrar a ousadia dos meios de comunicação no apoio para identificação dos lastimáveis casos de violência, principalmente contra menores, e a atitude de agentes públicos que, em suas atividades, cumprem seus papéis com responsabilidade, praticando a justiça. Ou as iniciativas da sociedade civil organizada na luta pela implementação plena do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), evidenciada na elaboração de políticas públicas e na efetivação de programas de proteção e projetos sócio-educativos para nossas crianças e adolescentes. Tudo indica que há sinais de esperança. 
Os seguidores de Jesus Cristo foram sempre habilidosos construtores da paz.  O exemplo do Filho de Deus foi inspiração para homens e mulheres como Martin Luther King, Mahatma Gandhi, Tereza de Calcutá, João da Cruz e muitos outros. A criança, na cultura do Evangelho anunciado por Jesus, foi sempre prioridade, referencial de singeleza e pureza. No Brasil, país considerado cristão – a maior nação católica do mundo, a segunda maior em número de evangélicos –, não é possível aceitar mais a vergonha de observar passivamente as denúncias de maus tratos e violência das mais variadas formas contra nossas crianças e adolescente indefesos.
Se, de um lado, repudiamos essas sementes desumanas da violência praticadas por pessoas cínicas ou enfermas emocionalmente e espiritualmente, precisamos, por outro, propor soluções. Nosso Senhor Jesus Cristo semeou a paz, e por isso mesmo foi chamado de Príncipe da paz. Seus seguidores devem fazer a mesma peregrinação, o mesmo instrumento de paz, conforme São Francisco registrou magistralmente em sua oração. 
Naturalmente, a sociedade globalizada do século 21 exige instrumentos que interfiram na violência conjuntural, econômica e social. Precisamos, como povo, descobrir novos mecanismos de mobilização social, disseminando valores e informações que possam fecundar a paz. Mas, acima de tudo, continuo acreditando que o novo humano começa na descoberta de um mundo interior, potencialmente capaz de transformar todas as nossas relações sociais, políticas e econômicas. Somos todos habitantes de uma mesma casa, e em família é melhor se viver em paz. - 26-07-2010

Ig Evangélica Avivamento Biblico de Araraquara - Pr Carlos Queiroz

Conferencia Missionaria 21-11-2010







Hidroteologia, contemporânea como a vida - Pr Carlos Queiroz

Sem amor ao próximo, sem promoção de justiça e, conseqüentemente, sem paz na sociedade, nossa teologia será árida e infértil.

A transposição das águas do Rio São Francisco é um dos temas mais polêmicos da agenda brasileira. O projeto, em resumo, destina-se a desviar enormes trechos do Velho Chico para áreas de seca – contribuindo, teoricamente, para a solução do centenário drama nordestino da escassez de água –, e é bandeira prioritária do governo Lula. Os principais argumentos a favor da obra giram em torno da possibilidade de irrigar 300 mil hectares de terras e transformar o sertão em um pólo agrícola, sobretudo de fruticultura, gerando empregos e renda para a região. Doze milhões de pessoas seriam beneficiadas em 268 cidades, de centros urbanos como Campina Grande (PB) e Caruaru (PE) a pequenas vilas encravadas no agreste.
Recentemente, o bispo católico Luiz Cappio, com sua greve de fome contra o projeto, chamou a atenção da opinião pública brasileira e internacional para o que considera um equívoco. No entender do religioso, a transposição vai causar mais problemas que soluções. Minha história de vida, juntamente com o trabalho na Visão Mundial, me propiciam uma vocação pastoral marcada pela poeira e pelo sol escaldante do meu querido sertão. Sinto o pó de argila impregnado aos dedos, amolgados pelo atrito das pedras nas sandálias de camponeses pobres. Nas épocas de estiagem, observo o vento morno acariciando as resistentes folhas de carnaúba. A cor cinza da caatinga, formada por gravetos secos, está sempre tatuada na minha memória.
Ao contrário do que se diz, a natureza presenteou o nosso Semi-árido de paisagens verdes alimentadas por recursos hídricos. Deus concedeu ao Nordeste brasileiro precipitações pluviométricas privilegiadas, um dos solos mais férteis do planeta e uma excelente incidência solar. A combinação destes fatores torna algumas áreas da região um centro atrativo para grandes produtores. No Nordeste, é possível se extrair grandes safras e manter rebanhos bem alimentados. Todavia, ali mesmo, encontro multidões de sofredores. Caso de dona Francisca, que vive a seis quilômetros das margens do São Francisco – mas não pode oferecer um litro de água à cabra, “mãe leiteira” dos seus 11 filhos. Num misto de humor e indignação com a privação ou privatização da água, ela disse que não chorava porque não tinha mais água nos olhos.
O nosso problema não é apenas de seca, nem será resolvido desviando-se bilhões de metros cúbicos de água. Temos um drama de acumulação de bens e concentração de terras e mananciais nas mãos de poucas pessoas, protegidas por cercas de arame farpado intransponíveis. Acontece que, com menos investimento do que o planejado para a transposição do Velho Chico, pode-se fazer uma reforma agrária mais conseqüente, implementando a agricultura familiar sustentável. Bastaria melhorar pequenos açudes já existentes, montar barragens subterrâneas, continuar construindo cisternas para uso familiar nas pequenas propriedades de Franciscos e Franciscas.
Antes de se pensar em mudar o curso de um rio, precisamos de uma mudança de paradigma: priorizar o que fazer em cooperação com o pequeno agricultor, para melhorar sua capacidade de produção. Seus projetos não agridem o meio ambiente e, se tecnicamente bem orientados, são potencialmente mais sustentáveis. Precisamos de uma reforma agrária e agrícola – e, na teologia, devemos entender que o tema em questão é sobre a nossa responsabilidade com tanta água que Deus manda para os nordestinos. Entre a nossa hidroteologia que estuda somente sobre a quantidade de água a ser usada para o batismo – se por imersão ou aspersão –, precisamos optar por uma teologia que equacione o problema da justiça quanto ao uso de água no planeta. Sem amor ao próximo, sem promoção de justiça e, conseqüentemente, sem paz na sociedade, nossa teologia será árida, infértil e não sinalizará a utopia possível do Reino de Deus.
Que os rios de justiça sejam transportados do coração de mulheres e homens de bem. Parafraseando a linguagem hidroteológica do profeta Amós, pedimos a Deus que “a retidão corra como um rio, a justiça como um ribeiro perene”.

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